Devoto-me à escrita como quem toca os dedos do oblívio
Ciente do tempo
E não duvido da angústia que minh’alma enegreceria
Num leito de morte
Haveria de querer tocar a vida
E beijá-la pelo sol encandeante na boca das mulheres
Desinteressado finalmente pela vertigem do cimento a pique
E a fome dos abismos
Dou por mim a achar por mais bem empregue
O tempo em que me ri
Mas rio pouco
Ou pouco me faz rir
Ainda que me oferte a risadas por condescendência
Abrindo o sorriso tal qual uma janela perra de casa velha
A libertar-se do mofo
Não raras vezes me acho rindo
Como as mulheres que sem prazer abrem as pernas
A um lanço de sexo
Não me incomoda a simpatia
Pratico-a
Em mil sonhos ponho fé –
Uma fé verdadeira –
E de mim oblitero deus
E a deus me oblitero ao seu processo
Por devoção às coisas simples
Também de mim expulso a vaidade
E o desejo de ser eterno
Que tanto vão e voltam
Como os indesejados à porta das discotecas…
Não,
Já não me seduz em ser para além da morte
Uma jarra centenária
De biblioteca
Ou merecer sê-la
Com lonjura para outros cem
Até que uma jovem moda
Me sepulte de vez no caixote dos objectos
Ou um’outra me ressuscite
Para a abjectidão.